O monstro da morte, cujo lábio inferior toca a terra e o superior, o céu, teve muito trabalho para devorar David Glass, o brasileiro naturalizado nascido de pais ingleses na Ilha de Wight, defronte à cidade de Southampton, na Inglaterra, dois anos antes da Primeira Grande Guerra.
David escapou de morrer afogado em duas ocasiões dramáticas. Primeiro, ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1913, com seis meses de idade. A criança escapuliu dos braços da mulher que o segurava e caiu no mar, mas os marinheiros o socorreram a tempo. Segundo, quando o navio que o levava a Buenos Aires naufragou durante uma noite escura e gelada no rio da Prata, em 1964, quando ele tinha 52 anos. Depois de cinco horas agarrado a uns pedaços de madeira, foi recolhido por um barco salva-vidas.
Há mais de doze anos sem estômago por causa de um câncer, David Glass morreu em 10 de março, quatro meses depois de completar 93 anos, ao lado da esposa e dos quatro filhos, na Inglaterra.
O nome de David Glass tem uma importância enorme na história do protestantismo brasileiro, principalmente quanto à literatura evangélica. Depois de trabalhar algum tempo como diretor da Casa Editora Evangélica, em Teresópolis, RJ, Glass fundou na rua da Constituição, próximo à praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, a primeira livraria evangélica do país, que existe até hoje, 55 anos depois. Foi ele também um dos fundadores da Camâra de Literatura Evangélica do Brasil (CLEB). Hoje, a Associação Nacional de Livrarias Evangélicas (ANLE) reúne centenas de livrarias, e a Associação de Editores Cristãos (ASEC) conta com cinqüenta editoras evangélicas.
Um ano antes de completar 40 anos, David Glass apaixounou-se por uma mocinha que tinha acabado de completar 20 anos e trabalhava na livraria. Casou-se com Dora Mafra, filha do pastor Agenor Mafra, em novembro de 1951.
O pendor de David Glass pela literatura tem muito a ver com o pai, Frederico C. Glass, um engenheiro britânico que veio trabalhar no Brasil primeiro numa companhia brasileira de estrada de ferro, aos 21 anos (1892), e depois na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, MG. Embora fosse um homem religioso, o velho Glass era desprovido de uma experiência pessoal de conversão. Tudo era uma rotina, sem vida, sem paixão, até o dia 20 de junho de 1897, quando de joelhos em seu quarto, depois de ler a promessa de perdão e de purificação contida em 1 João 1.9, fez do Jesus até então apenas histórico seu Salvador pessoal. Encantado com as novas certezas e com o valor das Sagradas Escrituras, ele deixou a Mina de Morro Velho e tornou-se colportor, distribuidor de Bíblias, pelo interior do Brasil. As viagens eram feitas a cavalo ou em carro de bois; de Araguari, MG, a Goiás, antiga capital do Estado de Goiás, o ex-engenheiro gastou três meses. O pai de David Glass trabalhou cinqüenta anos como colportor e morreu aos 89 no Rio de Janeiro. O livro Aventuras com a Bíblia no Brasil (300 páginas), de sua autoria, é uma preciosidade.
David Glass, que morreu 46 anos depois do pai, era missionário da antiga UESA, hoje Latin Link, com sede na Inglaterra. |
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