Sociedade : Ex-travestis se tornam pastores de igrejas evangélicas
Publicado por Redação em 3/12/07

SÃO PAULO - "Raspa careca!", ordenou Natasha, se despedindo das longas madeixas. "Tá louca?", respondeu o cabeleireiro, espantado com o pedido. "Me apaixonei por outro homem. Quero mudar o visual", justificou Natasha. "Então ele é rico!", exclamou o moço, já com a tesoura na mão. "Sim. Rico de amor. É Jesus...".

 

(Fonte: O Globo Online - O VERBO) - Esse diálogo aconteceu há cerca de 20 anos, num salão de beleza do centro da capital. Na época, Pedro Santana, conhecido na noite paulista como Natasha, largou a vida de travesti para se tornar pastor da Assembléia de Deus. Tosou o longo cabelo loiro e voltou a ser homem. Assim como ele, Paulo Rogério Ribeiro e Paulinho de Jesus seguiram o mesmo caminho:

- Só com fé esse milagre acontece. Tenho ganhado muitos homossexuais para Jesus - garante Paulinho de Jesus, ex-Paulete.

Era a segunda vez que Pedro renegava o próprio corpo.

- Ganhei seios por causa dos hormônios e silicone líquido. Tomava uma cartela inteira de anticoncepcional por dia. Perdia pêlos e ganhava peito - afirma Santana.

Ele garante que a exuberância feminina sumiu apenas com exercícios físicos e dieta. Hoje, aos 48 anos, está casado com Antônia, de 39, e tem três filhos: Daniel, de 20, Débora, de 18, e Samuel, de 15.

- Eles sabem da minha história. Não tenho vergonha, é meu testemunho - diz o pastor.

E esse testemunho lota igrejas evangélicas do Brasil e no exterior. Santana já viajou para dezenas de países por causa deste milagre, incluindo o Japão. Agora, ele é gordinho e usa bigode, mas continua dando show.

- Só uso roupa de macho. Nem compro sapato com fivela. Gostava do glamour, de aparecer, sempre fui bem vestida - brinca, durante seu testemunho. Entre uma revelação e outra, os fiéis comemoram, aos berros, com "Aleluia!" e "Jesus te ama!".

Trauma de infância

Ele lembra da infância difícil. Com 10 irmãos e sem pai, que morreu quando ele tinha 4 anos, a família passou necessidade e, desde cedo, pegou no pesado: como empacotador de supermercado e carregador de água em cemitério.

- Sempre tive interesse por meninos. E depois de ser estuprado, aos 6 anos, caí na vida - diz.

Ele conta que se prostituiu quando era menor. Fez ponto em locais famosos da capital. Quando estava no fundo do poço, foi levado a uma igreja evangélica.

- Só Jesus reverte esse processo. Dizem que uma vez gay, sempre gay. Mas há exceção - garante.

Paulo Rogério Ribeiro, de 37 anos, tem história semelhante, com graves problemas familiares e abuso sexual.

- Nunca fui aceito. Já na gravidez, minha mãe tentou abortar. Usou cinta até o sétimo mês para esconder a barriga. Nasci prematuro e fui para a casa da minha avó, porque minha mãe estava presa - conta.

Aos 9 anos, já sabia o que era a prostituição. A tia, que o acolheu após a morte de sua avó, fazia programa. Aos 17 anos, modificou o corpo.

- Nunca tive carinho... E depois de terem usado meu corpo, já não fazia mais diferença - diz Ribeiro. Hoje ele se diz "curado", mesmo que nunca tenha se relacionado com mulheres. Não está namorando, mas garante que olha diferente para elas.

- Talvez eu consiga ter um relacionamento quando eu tirar os seios. Mas preciso de R$ 4 mil - diz.

Ribeiro mantém o cabelo curto, usa paletó e camisa larga, porém não se livrou de alguns trejeitos femininos. Diz que são cicatrizes.

- Meu sonho é casar e ter filhos - afirma.