Sociedade : « É impossível, para mim, voltar a ser o que era antes », afirma ex-travesti |
Publicado por Redação em 3/12/07 |
Ex-travesti casa na igreja e jura amor eterno para a noiva. Os tempos de madrinha da bateria da Aruc fazem agora parte do passado. (Fonte: Correio Web) - Sábado de carnaval. A noite nublada imprimia ainda mais solidão às ruas vazias de Brasília. Mas era carnaval, não havia como negar. Nas tevês, Olinda, Salvador e Rio de Janeiro pegavam fogo. Em Brasília, a animação não chegava a banho-maria. Aqui e ali, ouvia-se o batuque de um tamborim. No Eixo Monumental, a Passarela da Alegria coloria-se à espera da tal alegria que lhe dá o nome. Enquanto isso, numa igreja evangélica na L2 Sul, um desconhecido Paulo Trindade, 35 anos, casava-se com a simpática morena Susan Soares dos Santos, 19 (fot esq.). Até aí, nada de incomum, não fosse por um detalhe: há dois anos, Paulo era o travesti Paulinha, madrinha da bateria da Associação Recreativa e Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc). Depois de viver relacionamentos homossexuais por anos, Paulo fez o que muitas pessoas duvidam que pode ocorrer na vida de um gay: virou heterossexual. Apaixonou-se por uma mulher e resolveu se casar. A cerimônia aconteceu na Igreja Batista Central de Brasília. Foi igual a qualquer outra. Havia pares de daminhas e pajens, fila de padrinhos, música romântica, igreja ornamentada e atraso. Muito atraso. Marcada para as 19h30, a cerimônia começou somente às 20h45. Enquanto esperavam, os convidados andavam de um lado para o outro. Mulheres em longos vestidos, homens de terno, meninas vestidas como princesas. Eram, na maioria, pessoas simples. E empolgadas com o acontecimento. ''Foi uma obra de Deus'', disse Eduardo Vidal, 60 anos, um dos padrinhos do noivo, referindo-se à mudança na vida de Paulo. ''Mas essa transformação partiu do coração dele. Deus não invade'', acrescentou Nilvânia F. Chaves, 35, amiga do ex-travesti desde os tempos em que ele era artista performático e era considerado, segundo ela, ''a mulher mais bonita de Sobradinho''. Deus ou o Espírito Santo por ele enviado foi apontado por todos como responsável pelo milagre realizado em Paulo. O pensamento era unânime. ''Ele parou, pensou em Jesus e teve uma segunda chance. O passado não existe mais. Por acreditar nisso, permiti o casamento'', argumentou Roberto dos Santos Filho, 45, pai da noiva. O passado de plumas, paetês e purpurina parece mesmo ter ficado para trás. Não mais Gloria Gaynor. Não mais desfiles, cabelos longos, peitos siliconados. Para Paulo, o brilho da vida gay ''virou fogo fátuo''. Nem mesmo o relacionamento estável com outro homem lhe proporcionava paz. Paulo não se aceitava mais como Paulinha. No dia 13 de janeiro de 2000, ele tomou a decisão que faria sua vida virar de ponta cabeça: seria heterossexual. O início da mudança coincidiu com seu ingresso na igreja evangélica Assembléia de Deus Ágape, em Sobradinho. Lá, deu testemunho de vida, chorou, rebelou-se contra a vida que levava até então. Os amigos torceram o nariz, as pessoas fizeram chacota, a mídia repercutiu. Mas o ex-travesti não desistiu. Hoje, atesta: ''É impossível, para mim, voltar a ser o que era antes''. Lua-de-mel Nove pares de arranjos florais adornavam o caminho até o altar. Pisando em tapete bege, a noiva foi recebida por um nervoso Paulo e chorou em várias ocasiões. O próprio noivo foi tomado pela emoção quando Susan declarou-lhe amor eterno por meio de uma canção. As lágrimas rolaram não tanto quanto as águas que rolam nos carnavais que já foram prioridade na vida de Paulo, mas rolaram. ''Lembre-se, Paulo: o que Deus une, o homem não separa'', bradou o pastor Luiz Gustavo ao microfone, quando os noivos, já casados, saíam da igreja. ''Lembre-se, Susan: o que Deus une, o homem não separa'', disse, mais uma vez. O pastor mostrava-se confiante. Não falou sobre o passado de Paulo, mas frisou, em vários momentos, as benesses da união entre homem e mulher. A beleza do amor-até-que-a-morte-os-separe. A pureza da monogamia. Paulo e Susan, ele maquiador e cebeleireiro, ela estudante, viajaram em lua-de-mel para o Rio de Janeiro. Não para cair no samba ou mesmo participar de alguma troça de rua. Foram para uma praia reservada e distante do burburinho. Confiantes e dispostos a começar vida nova. ''Encontrei o caminho. Encontrei a paz. É um renascimento'', disse o recém-casado. Leia também: - Ex-travestis se tornam pastores de igrejas evangélicas |
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