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Tartarugueiros e tamareiros

Tartarugueiro é uma palavra criada recentemente. É o nome que se dá aos pescadores ligados ao Projeto Tamar que protegem cerca de 14 mil ninhos e 650 mil filhotes de tartarugas marinhas nos 1.100 quilômetros de praias brasileiras. Graças a eles e a outros participantes do projeto, 22 milhões de filhotes de tartarugas foram protegidos e liberados ao mar nos últimos 13 anos. O Projeto Tamar, criado em 1980, já produziu 350 artigos científicos. E, por causa de sua importância na proteção do ecossistema e de toda a comunidade que nele vive (algas, plantas, fungos e animais), recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior. Esse esforço pode ser considerado uma resposta ao princípio da mordomia ecológica, que se encontra no primeiro livro da Bíblia: "O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo" (Gn 2.15).

Tamareiro não é a mesma coisa que tartarugueiro. Esta palavra ainda não existe, mas precisa existir. A missão do tartarugueiro é salvar as espécies de tartaruga ameaçadas de extinção. A missão do tamareiro é salvar as mulheres da violência sexual.

Na verdade há duas organizações chamadas Tamar; uma no Brasil e outra na África do Sul. A primeira se chama Projeto Tamar e a segunda, Campanha Tamar (Tamar Campaign). No caso do projeto brasileiro, o nome Tamar surgiu da contração das palavras TArtarugas MARinhas. No caso do projeto sul-africano, o nome Tamar surgiu da lembrança da violência sexual cometida contra uma jovem muito bonita chamada Tamar (2 Sm 13.1-21).

Embora muito louvável, o Projeto Tamar não tem a importância da Campanha Tamar. O projeto trabalha para proteger e preservar a vida dos répteis quelônios aquáticos que vêm à praia apenas para a desova. Já a campanha trabalha para proteger a dignidade de meninas, mocinhas e mulheres da fúria sexual de certos homens.

Muito mais importante do que salvar os filhotes de tartarugas no litoral brasileiro é salvar as mais de 100 mil crianças e adolescentes que são exploradas sexualmente em 937 municípios brasileiros, segundo levantamentos de ONG's, do UNICEF e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

A Tamar da Bíblia era filha de Davi, o autor da maioria dos Salmos. Quando Amnon, seu meio- irmão, a agarrou e a levou para a cama, a moça lhe disse: "Não, meu irmão! Não me faça violência. Não se faz uma coisa dessas em Israel! Não cometa essa loucura. O que seria de mim? Como eu poderia livrar-me da minha desonra?" (2 Sm 13.12.)

Tamar disse não várias vezes, mas Amnon disse sim e valeu-se de sua força física para praticar a violência sexual. E, depois de satisfazer seus instintos, "sentiu forte aversão pela moça, mais forte que a paixão que sentira", e pôs Tamar para fora de sua casa.

Tamareiros são as pessoas que não se conformam, em absoluto, com os crimes cometidos contras as Tamares de ontem e de hoje e fazem alguma coisa. "A igreja, como instrumento de Deus, não pode tolerar nem silenciar quanto ao abuso físico, espiritual, mental e verbal da mulher", lembra o folder da Campanha Tamar (
labanc@ukzn.ac.za). O que essa organização cristã pretende fazer é: 1) encorajar as igrejas a levantar a voz contra o abuso; 2) promover estudos bíblicos sobre a violência contra a mulher; 3) conscientizar as mulheres das várias formas existentes de abuso e mostrar os caminhos para se livrar deles; 4) encorajar os pastores a pregar contra o abuso e promover reuniões especiais sobre o assunto; 5) mostrar a relação entre violência sexual e HIV/aids.

O escritório da Campanha Tamar fica na Ujamaa Centre, na cidade de Scottsville, na província de Natal, na África do Sul, e está ligada à University of KwaZulu, em Natal. (Oitenta por cento das mulheres que vivem em assentamentos na África do Sul foram estupradas e 32% dos estupros registrados no meio urbano foram cometidos por familiares.)


A Tamar boliviana

"A princípio, fiquei com vergonha de contar para meu pai, líder leigo na igreja, que eu tinha sido estuprada por dois homens e infectada com o HIV. Temia também a reação das pessoas mais velhas da igreja. Mas, quando falei com meu pai, ele demonstrou tremenda compaixão. E, no dia em que contei à igreja, recebi mais abraços do que em toda a minha vida."

Gracia Violeta Ross, da Igreja Metodista da Bolívia


O nome de Deus na boca dos opressores, dos oprimidos e de Maria

Apenas quatro anos separam a premiação do argentino Adolfo Pérez Esquivel e a do sul-africano Desmond Tutu. Ambos receberam o mesmo prêmio — o Nobel da Paz —; o primeiro, em 1980 e, o segundo, em 1984. Os dois têm a mesma idade: 74 anos.

Tanto Esquivel como Tutu estiveram presentes na 9ª Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em Porto Alegre. Ambos participaram da Caminhada pela Paz realizada na noite de 21 de fevereiro. E ambos queixaram-se do uso da religião para justificar atos contrários à paz. O Nobel da Paz de 1980 disse que estamos usando e abusando do nome de Deus, até "para fazer guerras". O Nobel da Paz de 1984 lembrou que muitos cristãos justificam o racismo e as guerras, e deu um exemplo: "Até a Ku Klux Klan, que assassina negros nos Estados Unidos, exibe uma cruz em suas vestes".

Entretanto, os oprimidos também usam o nome de Deus. Por exemplo, o sem-teto Francisco Pernambucano declarou numa das oficinas da assembléia do CMI que "Deus está especialmente nas favelas, debaixo de pontes, com os mendigos, os famintos, os necessitados de justiça e paz".

Embora não se possa concordar com tudo o que os oprimidos falam e fazem, antes de julgar a possível irreverência do sem-teto, seria bom reler esta pequena frase do Magnificat de Maria: "[O Poderoso] derrubou governates dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos" (Lc 1.52-53).


O Conselho Mundial de Igrejas e a Guerra do Iraque

Poucas horas depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, o Comitê Executivo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) se reuniu em Genebra e enviou uma carta pastoral às igrejas dos Estados Unidos manifestando sua dor e indignação pelo acontecido. Dois meses depois, o presidente do CMI para os Estados Unidos, juntamente com o secretário-geral adjunto e uma delegação formada por representantes da África do Sul, França, Paquistão, Rússia e Indonésia, Líbano e Palestina, visitaram as igrejas americanas para levar a mesma mensagem de solidariedade. Depois de passarem por Nova York, Chicago e Washington, a delegação chegou a Oakland, na Califórnia, onde se reunia o Conselho Nacional das Igrejas de Cristo.

Em setembro de 2002, diante da crescente tensão mundial em relação ao Iraque, o Comitê Central do CMI pediu com insistência aos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido que desistissem de levar a cabo uma invasão ao Iraque. Com as ameaças constantes de uma ação militar, cresceu entre as igrejas membros do CMI o repúdio às soluções bélicas. Em janeiro de 2003, o CMI convocou os líderes eclesiásticos para uma reunião internacional em Berlim, que se pronunciou oficialmente contrária à Guerra do Iraque. Poucas semanas mais tarde, o mesmo Comitê publicou uma firme declaração contra o conflito armado, expressando sua profunda preocupação com as conseqüências humanitárias dessa ação. No dia 20 de março, quando começou a Guerra do Iraque, o secretário-geral do CMI, o alemão Konrad Raiser, declarou que a guerra preventiva era imoral, ilegal e desacertada.

Em fevereiro de 2006, reunida em Porto Alegre, a assembléia do CMI recebeu uma carta assinada pelos representantes das igrejas membros do CMI nos Estados Unidos, na qual se lê:

"Somos cidadãos de uma nação que tem colocado em perigo a família humana e a criação."

"Nossos líderes não ouviram as vozes dos líderes religiosos em nossa nação e no mundo, envolvendo-se em projetos imperialistas que buscam dominar e controlar, em benefício dos interesses da nossa nação. Lamentamos especialmente a Guerra do Iraque [...], pela violação das regras mundiais e dos direitos humanos."
"Confessamos que temos falhado em levantar a voz profética, [...] chamando nossa nação para a responsabilidade global da criação, e somos cúmplices de uma cultura do consumo. [...] Confessamos que temos falhado em levantar a voz profética [...] em favor da justiça econômica."


O caldeirão religioso da América Latina

Mais de mil homens e mulheres de todas as partes do mundo pisaram o solo da América Latina pela primeira vez na vida na segunda quinzena de fevereiro de 2006. Eles vieram para participar da 9ª Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), realizada em Porto Alegre, a capital mais meridional do Brasil.

Os hospedeiros brasileiros tiveram a feliz idéia de produzir um livro, Bem-vindo ao Brasil e América Latina, que apresentou honestamente aos seus hóspedes nossa diversidade cultural, religiosa e étnica. Publicado em português e em inglês pelo CMI, o livro contém trabalhos de Ivone Gebara, José Oscar Beozzo, Sandra Duarte de Souza, Zwinglio M. Dias, Juan Sepúlveda e Luiz Carlos Susin.

O público brasileiro também precisa conhecer a sua diversidade histórica. Para tanto, Ultimato transcreve apenas três fragmentos:

"O processo de formação do cristianismo na América Latina e no Caribe foi plural desde o início, tendo-se em conta: a) Os povos e culturas nativas preexistentes no continente e a persistência de muitos aspectos de suas crenças e costumes até hoje; b) Os agentes colonizadores vindos de diversas metrópoles européias e de diferentes igrejas cristãs; c) A origem dos cerca de 11,5 milhões de escravos trazidos à América vindos de distantes regiões culturais, lingüísticas e religiosas da África; d) As correntes migratórias européias e asiáticas do século 19 que tornaram o quadro anterior ainda mais complexo e diversificado."

José Oscar Beozzo
, historiador e padre, da Diocese de Lins, SP.

"É quase impossível fazer um mapeamento do sagrado na América Latina, tamanho o pluralismo que a caracteriza. Apesar do fato de que a religião declarada da maioria da nossa população é ainda o catolicismo, o que as pesquisas de cunho quantitativo estão longe de mostrar é a elasticidade religiosa que se esconde por trás dessa declaração."
 
Sandra Duarte de Souza, doutora em ciências da religião, professora da Universidade Metodista.

"Quem quiser fazer sinceramente teologia no Brasil precisa começar por encarar a herança e a matriz da fé e da religiosidade barroca, xamanística, mágica, curandeira, sincrética, de alta racionalidade simbólica, capaz de transfigurar o feio em bonito, a ilusão em sabedoria, o sofrimento em esperança, a dor em riso, a pobreza em glória, ainda que seja nos quatro dias de Carnaval [...]. Para entender o pluralismo, é preciso ir para trás, não para frente, e buscar o que sempre esteve presente, embora oculto ou costurado no manto da oficialidade católica e que agora ganha mais autonomia."
Luiz Carlos Susin, frade capuchinho, membro fundador da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião do Brasil.


Desmond Tutu: "No abraço amoroso de Deus cabem brancos e negros, gays e lésbicas, George Bush e Bin Laden"

O arcebispo anglicano da África do Sul, Desmond Tutu, Nobel da Paz de 1984, em entrevista coletiva concedida em Porto Alegre, por ocasião da 9ª Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, fez a declaração acima cem por cento evangélica.
Por meio de gestos e palavras, Jesus deixou bem claro que o abraço amoroso de Deus é de fato abrangente. Ele escolheu três mulheres de vida irregular, citadas nos Evangelhos não pelo nome, mas por expressões nem um pouco lisonjeiras: a mulher samaritana (Jo 4.1-26), a mulher adúltera (Jo 8.1-11) e a mulher "pecadora" (Lc 7.36-50). Ele entrava em casas de publicanos e pecadores, assentava-se à mesa com eles e participava de suas refeições (Mc 2.13-17). Era conhecido como amigo de publicanos e pecadores (Mt 11.19). E ainda teve a ousadia de chamar Judas de "amigo", no momento em que o traidor o entregava aos soldados do templo (Mt 26.50).

Para Jesus não há problema algum em aproximar-se de brancos e negros, de George Bush e Bin Laden, de gays e lésbicas. Ele nunca precisou quebrar preconceito algum, porque não os tinha. Jesus morreu entre dois criminosos condenados à pena máxima por crimes hediondos (Mc 15.27).

Mas há um detalhe que o Nobel da Paz não mencionou: o abraço amoroso de Jesus é terapêutico, é para "buscar e salvar o que estava perdido" (Lc 19.10), para tirá-lo de um atoleiro de lama e pôr os seus pés sobre a rocha (Sl 40.2), para trazê-lo do chiqueiro de porcos para a sala do banquete (Lc 15.11-32). Sejam os brancos que escravizavam os negros ou os negros que capturavam seus irmãos e os traziam para os portos onde os navios negreiros ancoravam. Sejam os gays e as lésbicas, os cônjuges adúlteros, os políticos corruptos, os comerciantes desonestos, os pregadores de mentiras e os opressores dos pobres. Sejam os Bin Ladens que derrubam torres e os George Bushes que exibem seu poderio econômico e militar.

Depois de explicar o óbvio ("Não são os que têm saúde que precisam de médicos, mas sim os doentes"), Jesus foi incisivo: "Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento" (Lc 5.31-32).

O abraço misericordioso e abrangente de Jesus possibilita o arrependimento e tudo o que vem em seguida. À mulher surpreendida em adultério e protegida por Jesus de seus impiedosos e irresponsáveis acusadores, o Senhor disse duas coisas: "Eu também não a condeno"; "Agora vá e abandone sua vida de pecado" (Jo 8.11).

No abraço amoroso de Deus cabe toda sorte de pecadores, para que eles sintam o calor da graça, da misericórdia e do amor de Deus e se deixem conduzir ao arrependimento. Não se pode separar o abraço do arrependimento nem o arrependimento da conversão!


A dança do rei Davi e a dança da deputada Angela Guadagnin

A dança é incontrolável quando a alegria toma conta do coração. Não dá para esperar outra ocasião e outro local para extravasar as emoções quando elas tomam conta da pessoa. O Antigo Testamento diz que, no dia em que Davi comandou o desfile militar e religioso (30 mil soldados), que conduzia triunfalmente a Arca do Senhor de Quiriate-Jearim para Jerusalém, o rei "foi dançando com todas as suas forças perante o Senhor", e todos os israelitas participaram da marcha com "gritos de alegria". A única pessoa que considerou aquela cena inusitada uma falta de "decoro parlamentar" foi a esposa de Davi, Mical, filha do rei anterior. Ela o desprezou por vê-lo dançando e celebrando no meio do povo e afirmou que ele havia se portado não como rei, mas como "um homem vulgar" (2 Sm 6.1-23).

Quanto à dança da deputada Angela Guadagnin, o erro não foi a dança em si, mas o motivo: a absolvição de seu colega petista, um dos acusados do mensalão.
O grande problema é que Brasília não tem tido bons motivos para seus deputados saírem dançando pelos corredores da Câmara. Tomara que a situação se reverta e todos eles comecem a dançar. Não será, então, falta de decoro parlamentar!