Bruno astuto
9 DE OUTUBRO DE 2011 | 12:00 | CRÔNICA | 







Talvez seja a mais difícil de todas, ainda mais nestes tempos em que todo mundo parece ter algo a dizer, comentar ou postar. O silêncio é uma arte, a expertise de não dizer o que lhe vem à mente ou ao coração. Exige uma certa frieza e requintes de domador de feras — no caso as que existem em todos nós —, um cálculo difícil para quem está habituado a impor suas próprias verdades, doa a quem doer. O silêncio tem um charme, é a excelência dos inescrutáveis.
Que homem é mais capaz de tirar uma mulher do sério? Aquele que tem opiniões formadas sobre tudo, guarda sempre uma piadinha na manga, acorda dando bom dia ao cachorro e comentando as notícias do jornal da manhã? Ou aquele cujos pensamentos ninguém é capaz de decifrar, que ouve uma barbaridade e aperta os olhos sem qualquer expressão evidente, que fica no canto às voltas com seus próprios pensamentos como se não houvesse nada a seu redor? Não que não seja inteligente e não tenha nada a dizer, mas esse é um homem de poucas palavras, que, quando ditas, emudecem uma sala por sua precisão.
Ele não pretende ser engraçado, misterioso ou inteligente — é o que é. Também pode ser um suplício, já que não costuma dar asas para discutir a relação. Na hora da briga, prefere bater a porta e esfriar a cabeça e até acha graça quando a mulher se descompensa. Considera que seus atos falam melhor que as palavras e que bate-boca não leva a lugar algum. Quando se aborrece, é para valer. E, quando faz as pazes, também.
Celulares, e-mails e mensagens de texto roubaram nossa capacidade de refletir sobre o que vamos dizer. As pessoas nos exigem uma resposta imediata para tudo. Outro dia, um amigo me enviou uma pergunta por torpedo. Como não pude responder imediatamente, porque estava numa reunião, veio logo a bronca: "Ok, se não quiser responder, tanto faz".
Dois minutos. Pensei em lhe explicar que estava ocupado, que não era possível olhar o celular naquele momento, mas ainda bem que a razão falou mais alto e me fez enxergar que eu simplesmente não tinha a menor obrigação de responder. Até para não falar besteira, na pressa. Lembro o tempo em que esperávamos horas para o telefone dar linha, em que fazíamos fila para ligar do orelhão na rua, em que nossos corações palpitavam à espera daquela carta — aquela. Não sei há quanto tempo não escrevo ou recebo uma carta; os Correios só me entregam contas, flyers e catálogos de lojas.
Esse assunto me veio à cabeça por conta da piada de mau gosto que o humorista Rafael Bastos, do CQC, fez com Wanessa Camargo, algo sobre comer a cantora e seu bebê. Adoro o CQC, sobretudo quando os humoristas vão atrás de alguns políticos para evidenciar sua absoluta ignorância em relação às questões mais urgentes de seu ofício, como o conhecimento das leis que vão votar, a localização de países no globo terrestre e por aí vai. Mas, sentindo-se na obrigação de soltar imediatamente a piada, Bastos apenas ofendeu uma mulher grávida, seu marido e sua família. Não teve graça.
Graças à democracia, ele pode dizer o que quiser, quando quiser. Pode fazer troça de tudo e todos sem que ninguém o mande calar a boca. É um direito pelo qual os brasileiros lutaram muito, à custa de tantas vidas. Fazer-lhe censura prévia é a mesma idiotice que considerar que a personagem Valéria, do "Zorra Total", fere os metroviários e que a propaganda de Gisele Bündchen tem que ser retirada do ar por ser sexista – desde quando um anúncio de lingerie não explorou a sedução de uma mulher em busca de seu homem?
O que o humorista vai constatar com o tempo é que, também graças à democracia, as pessoas têm o direito de buscar reparação quando são atingidas em sua honra. Essa é a justa regra do jogo.
Gênio mesmo era Charles Chaplin, que fazia todo mundo rir em silêncio.