O Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos deu apoio à iniciativa dos grupos de auto-ajuda que promoveram o III Encontro Cristão sobre Homossexualidade. Isso despertou a atenção da mídia e nos pôs como alvo dos ataques de grupos radicais. Tivemos, então, nossa identidade questionada, recebemos provocações, ameaças, e um dos nossos diretores foi acusado perante o Conselho profissional. Sem dúvida, não seria esse o caminho preferido por nós para dialogar com os meios profissionais e a sociedade. Contudo, não queremos recuar das nossas posições. O grande interesse que o evento despertou, ensejando testemunhos espontâneos dos que estão superando seus conflitos, confirmou o que já sabíamos da prática clínica e da vida cristã: os homossexuais podem mudar(1)!
Mesmo assim, algumas ressalvas fazem-se necessárias. Identificamo-nos com aqueles que valorizam a experiência do "novo nascimento", como expressão do compromisso visceral que se estabelece entre o crente e o Senhor Jesus Cristo, pela atuação do Espírito de Deus na vida de cada um. Entretanto, não aceitamos que esse marco da fé cristã seja apresentado como panacéia, suficiente em todos os casos para eliminar os problemas pessoais, como num passe de mágica. É certo que a personalidade passa então a ser dotada de um dinamismo novo, capaz de catalisar transformações profundas em todas as áreas da vida humana. Porém, os registros da história de vida continuam atuantes, com maior ou menor intensidade, suficientes para suscitar desejos e inclinações até mesmo conflitantes. Assim sendo, insistimos na valorização dos diversos recursos por meio dos quais a graça de Deus quer moldar-nos à semelhança de Jesus Cristo. As comunidades cristãs não podem descuidar da responsabilidade de apoiar os agregados, já que cada um traz as marcas das suas vicissitudes, sejam elas quais forem. A ajuda de profissionais, tais como psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, pedagogos e outros, precisa também ser respeitada, incentivando-se aqueles que recorrem a esses préstimos.
Infelizmente, vemos que continuam predominando sentimentos de hostilidade e rejeição para com os que apresentam tendências homossexuais. O preconceito geral determina rótulos e estereótipos poderosos para impedir que se distinga entre eles pessoas sensíveis e discretas, muitas delas vítimas silenciosas de abusos e traumas, e até bem integradas. Assim, alertamos para o perigo da pressa por resultados na ajuda que se lhes oferece. Igualmente, consideramos uma limitação ter-se em vista a simples reversão para o comportamento heterossexual.
O CPPC não é uma entidade dogmática, nem em termos científicos, nem religiosos. Dessa forma, respeitamos e acolhemos pessoas ligadas a diferentes escolas de pensamento psicológico, bem como as variadas ênfases encontradas dentro do cristianismo. Mesmo assim, em maioria, vemos o homossexualismo como expressão de um desenvolvimento incompleto na maturação psicossexual, ensejado pela interveniência de diferentes fatores atuantes precocemente na evolução da vida pessoal. Nisso fazemos eco com cientistas de diferentes correntes psicológicas(2,3,4,5). Esses fatores podem ser de natureza biológica, genética, psicodinâmica, cognitivo-comportamental, socio-educacional, entre outras(6). Assim entendido, aquele comportamento não expressa todo o potencial da sexualidade humana. Por outro lado, do ponto de vista cristão, identificamo-nos mais de perto com o entendimento bíblico de que todo comportamento que não expressa a vontade plena de Deus deve ser revisto e as pulsões latentes, redirecionadas.
Acima de tudo, porém, fazemos questão de expressar sempre o acolhimento do amor cristão, enfatizando o poder regenerador da graça de Deus e afastando-nos veementemente da acusação irresponsável e da promoção impiedosa da culpa. Espelhando-nos em Paul Tournier, procuramos ser ortodoxos em preservar o conhecimento oriundo tanto da ciência como da Bíblia, e tolerantes no trato com as questões humanas(7). Nesse espírito, insistimos em manter o diálogo com membros da comunidade acadêmica, mesmo que defendam entendimento diverso, e a comunhão com cristãos que têm posição diferente sobre a questão. Percebemos com clareza as polarizações que o assunto é capaz de levantar, mas cremos na possibilidade de entendimento entre os que buscam a verdade, sobretudo se o fazem com um compromisso de vida.
Referências: 1. GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu, org. Homossexuais podem mudar. Curitiba: Eirene do Brasil, 1992. 2. FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre sexualidade. In: ___. Obras completas. v. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1972. 3. BANCROFT, J. Human sexuality and its problems. 2. ed. Edinburg: Churchill Livinstone, 1989. 4. ECK, M. Sodoma; ensaio sobre a sexualidade. 2. ed. Lisboa: Moraes Ed., 1983. 5. ABDO, C. H. N., SAADEH, A. Transtornos da sexualidade. In: LOUZÃ NETO, M. R. et al., org. Psiquiatria básica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 6. NOTMAN, M. T., NADELSON, C. C. Gender, development and pscychopathology. In: SEEMAN, M. V., ed. Gender and pshichopatology. Washington: American Psychiatric Press, 1995. 7. TOURNIER, Paul. Culpa e graça. São Paulo: ABU Editora, 1985.
Uriel Heckert é médico psiquiatra,professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e presidente do CPPC. | | |
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