11/09/2007
Xenofobia aumenta na Suíça
A direita escandaliza a ONU com sua campanha contra o "estrangeiro criminoso"
Rodrigo Carrizo Couto
Em Genebra
Alguns humoristas locais já falam na crise das ovelhas, referindo-se à propaganda eleitoral que é vista em todas as ruas da Suíça nos últimos dias. No cartaz citado, podem-se ver três desses animais situados sobre uma bandeira suíça, dando uma patada com os membros traseiros em uma ovelha negra, que expulsam do quadro. Esse pôster aparentemente inocente causou uma tempestade no habitualmente tranqüilo país alpino.
O desenho em questão não é mais que o último capítulo de uma longa série de provocações feitas pelo SVP-UDC (Partido Popular da Suíça), a formação nacionalista do caudilho de direita Christoph Blocher. O que marca a diferença de outras campanhas do mesmo tipo que possam existir na Europa é que o homem que dirige esse partido não é um radical nem um messiânico exaltado, mas sim um poderoso e brilhante industrial de Zurique que ocupa o cargo de conselheiro federal (equivalente a ministro) da Justiça e da Polícia.
A ovelha negra não seria outra coisa senão a óbvia metáfora escolhida pelo SVP-UDC para simbolizar os "criminosos estrangeiros" que, segundo eles, "abusam do sistema, fazem badernas e traficam drogas" na Suíça. Estrangeiros indesejáveis que o partido de Blocher, capitaneado por seu presidente, Ueli Maurer, deseja ver deportados o quanto antes.
Outdoor do SVP com ovelha negra sendo expulsa de território com a bandeira da Suíça |
A mensagem calou fundo entre seus conterrâneos, já que o SVP-UDC é o que possui maior número de assentos no Parlamento, com quase 30% dos votos. Veremos o que acontece nas eleições parlamentares de 21 de outubro próximo.
A campanha, que incluiu a remessa de suas propostas de porta em porta, chamou a atenção inclusive da Organização das Nações Unidas. O relator especial para Racismo da ONU, o senegalês Doudou Diène, viu-se obrigado a alertar as autoridades sobre o perigo de "desvios xenófobos" em um país que se orgulha de sediar organismos internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ou a Cruz Vermelha Internacional.
"Guerra de ovelhas"
A guerra das ovelhas é uma pedra a mais num edifício que inclui propostas como a proibição de construir minaretes nas mesquitas suíças, punir com a deportação toda a família de um criminoso estrangeiro menor de idade ou a abolição das leis que proíbem o discurso racista, já que atentariam contra a "livre expressão", segundo os membros dessa formação.
Também cabe mencionar a já célebre campanha de 2004 que mostrava mãos negras, amarelas e morenas agarrando avidamente passaportes suíços, numa clara referência ao risco de invasão de um país que já conta com a maior porcentagem de estrangeiros na Europa. Basta lembrar que só na cidade de Genebra mais de 40% dos residentes não nasceram na Suíça, país que hoje abriga cerca de 120 mil espanhóis.
Dos 22% de estrangeiros que vivem aqui, os que ocupam o papel de ovelhas negras aos olhos dos eleitores do SVP-UDC costumam ser os imigrantes procedentes da ex-Iugoslávia ou de países balcânicos, que chegaram à Suíça depois da guerra que assolou a região nos anos 90. Também são malvistos turcos e africanos - que são associados ao tráfico de drogas - e muçulmanos em geral, apesar de se poder dizer que este coletivo está muito mais integrado ao país que em outros ao redor. Igualmente, as hostes de Blocher denunciam que 70% dos detentos nos presídios suíços são estrangeiros ou requerentes de asilo, assim como costumam ser de origem estrangeira os criminosos sexuais, que deram muito o que falar à mídia suíça nos últimos anos.
Outro escândalo recente é o que envolveu Giuliano Bignasca, líder da Lega Ticinese, no cantão de Ticino, de língua italiana, que criticou abertamente que na seleção de futebol houvesse três africanos, fato para ele inaceitável, já que "a Suíça não teve um passado colonial". O político radical chegou a sugerir ironicamente que o antes mencionado Doudou Diène fosse nomeado "treinador da equipe nacional", com a imaginável avalanche de críticas por parte da imprensa e da opinião pública.
Segundo diversos observadores, "todo esse debate não reflete nenhuma exceção, o único excepcional é que na Suíça se fala abertamente de problemas que afetam quase todos os países da Europa".
Prejuízo incalculável
Um alto membro do governo comentou a este jornal, sob a condição de manter o anonimato, que "toda essa situação, e a atenção internacional que está tendo, estão causando um prejuízo incalculável para a imagem da Suíça".
Diante do enorme peso do SVP-UDC no mapa político local, as cartas parecem estar dadas, mas o eleitorado enfrenta um grande dilema antes das votações de 21 de outubro próximo. Este poderia ser resumido assim: deixar que Blocher continue fazendo parte do Executivo e seja presidente da Confederação Helvética em 2009 (um cargo rotativo) ou tirá-lo do governo. A opção de Blocher presidente da Suíça não parece muito grata aos olhos da maioria dos cidadãos, mas a outra opção poderia ser ainda pior.
Em um recente debate televisivo, o caudilho de Zurique advertiu claramente: "Serei ainda mais perigoso fora do governo, porque agora conheço por dentro os mecanismos do poder".
Sistema excepcional
O sistema político que rege a Suíça é único no mundo. Suas origens remontam a 1291, quando os três cantões originais rejeitaram a ingerência de "juízes estrangeiros" e assentaram as bases do que, séculos depois, seria a Confederação Helvética. Nascia assim a via suíça de democracia direta.
Hoje a Suíça é dirigida pelo Conselho Federal (o Executivo), do qual fazem parte os popularmente conhecidos como sete sábios: os ministros que, de forma rotativa, ocupam a presidência do país por períodos de um ano. Dos sete membros do governo, dois são socialistas, dois radicais, uma democrata-cristã e dois pertencem ao SVP-UDC. A atual presidente é a socialista Micheline Calmy-Rey. O Executivo é eleito a cada quatro anos pela Assembléia Federal, que é fruto da união do Conselho Nacional (Câmara baixa, formada na Suíça por 200 deputados) e o Conselho de Estado (Câmara alta, 46 deputados, dois para cada um dos 23 cantões). Na votação de 21 de outubro os cidadãos suíços vão renovar seus 200 deputados e 44 dos 46 senadores.
O Executivo reflete de maneira bastante exata o equilíbrio de forças políticas no Parlamento e funciona de maneira colegiada. Se não houver grandes surpresas nas eleições, a Assembléia Federal reelegerá Christoph Blocher em 12 de dezembro. Em 1º de janeiro, Blocher deveria assumir as funções de vice-presidente e em 2009 as de presidente da Suíça. Daí a importância crucial dessa votação.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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